Drop Down MenusCSS Drop Down MenuPure CSS Dropdown Menu

sábado, 18 de julho de 2015

Prelúdio para um Casamento Morto

"Olhamos para o futuro através do nosso espelho retrovisor"
Todos nós já convivemos com casais que estão no último round de uma luta de muitos assaltos, na busca de uma separação. O que ou­vimos são quase sempre as mesmas histórias, semelhantes a várias ou­tras, ou seja, repletas de acusações mútuas, com vários lances teatrais e quase sempre enfadonhas. Nunca ouvimos do cônjuge nosso amigo um relato onde ele se diz culpado, pois o errado é sempre o outro.
As brigas do casamento já não são mais como antigamente, quan­do poucas separações ocorridas eram devidas às “traições” diversas ou ao abandono do lar, geralmente por parte do homem.
Hoje elas se dão, em grande parte, pela disputa do poder. Luta-se pelo direito de dar ordens. Antigamente, o poder, quando exercido pelas mulheres, o era às escondidas, pois aceitava-se como normal os homens mandarem.

O prelúdio da separação é caracterizado por discussões contínu­as, algumas vezes acompanhadas de agressões físicas. Os temas deba­tidos, que na verdade servem de “aperitivos” para a entrada das agres­sões pessoais, são vários: o horário de se chegar a casa, a demora para se aprontar, o sabor ruim da comida. As diversas disputas revelam os valores antagônicos do casal, como as queixas quanto à escassez ou ao excesso das relações sexuais, a saída ou não de casa para fazer visitas ou passeios.
Várias condutas dos cônjuges servem para precipitar ressenti­mentos como: o marido fica vendo o jornal na TV, enquanto a esposa deseja conversar, a mulher quer a casa bem arranjada e o marido a suja e nem liga, um deseja ficar abraçado ao outro e este, que detesta, sente-se como estivesse assentado em espinhos.
Também os diversos projetos familiares tendem a promover brigas: quando e onde ir nas próximas férias, onde passar os fins de semana, como educar os filhos ou os netos, qual a melhor hora de se levantar ou de se deitar, quem fará as compras.
Nos momentos finais de um casamento, tudo serve para desper­tar antipatias, discussões e despertar antigas irritações transitoriamen­te adormecidas. Essas últimas surgem por motivos fúteis, tais como o modo de andar, mastigar, ir ao banheiro, dormir, roncar, dirigir, as­sentar-se e tossir, do outro cônjuge. E como elas ficam insuportáveis. Tudo mudou. Antes, no período do namoro e paixão, as preferências de cada um eram admiradas e encantadoras. Agora, no tempo das disputas, ela passam a ser ridículas como gostar de assobiar, soprar o café para esfriá-lo, fazer ginástica, tomar cerveja, ouvir música caipira, andar de ônibus ou fazer compras na rua dos Caetés.
Os diálogos de um casamento em fase final têm características singulares. Quando um cônjuge pergunta algo ao outro, ele não quer ouvir respostas objetivas ou possíveis, quer descobrir pretextos para criticar, arrumar uma briga, a partir da “deixa” dada pelo parceiro. Assim, a água retorna ao rio, reinicia-se a velha e conhecida briga in­terrompida por motivos alheios aos dois. Muitos desses diálogos são, de fato, metadiálogos, isto é, discute-se acerca dos próprios diálogos e não de algo externo à fala, como nos exemplos: “você sempre me agride” ou “você está sempre me acusando”. A comunicação é sobre a própria briga. Esta, quase sempre, coloca mais lenha na fogueira.
O casal lembra com saudades os velhos tempos quando havia complementaridade nas conversas. Antes, quando um fazia um co­mentário a respeito do dia, afirmando que esse estava lindo, o com­panheiro, sorrindo, concordava usando um tom de voz calmo e me­lodioso, achando a observação pertinente e poética. Nos prelúdios do casamento morto, a mesma declaração desencadeará uma série de agressões, muito diferente dos comentários carinhosos de antigamen­te: “Você sempre teve um gosto estranho, o dia hoje está horrível!” Num ambiente desses, torna-se penosa e incerta a vida a dois.
O ataque poderá surgir a qualquer momento, nenhum deles sabe quando e como ele virá e essa incerteza produz insegurança e desconfiança.
As mensagens trocadas no fim do casamento são com frequên­cia ambíguas, como nos casos do marido que, com uma voz áspera e usando palavrões, afirma para a esposa que a ama muito, não poden­do viver sem a sua companhia. Ou no caso da esposa que prepara um delicioso e requintado jantar para o aniversário do marido mas, ao mesmo tempo, mostra uma cara amarrada e de enfado na presença dele com o que está fazendo.
As tensões, ao crescerem dia após dia, levam os dois, muitas ve­zes, ao desespero, pois as feridas surgidas pela discussões violentas, produzem marcas que não desaparecem nunca mais. Ao mesmo tem­po, a possibilidade de virem a se separar e terem que reiniciar uma vida longe um do outro, assusta os dois. No final de um casamento, cada um, sozinho, passa grande parte do tempo pensando acerca da vida ruim que está levando.
Alguns, depois de muitas e muitas brigas, exaustos acabam por desistir de continuar a luta: renunciam às agressões e também ao amor. Isolam-se, cada um no seu canto, sob o mesmo teto, dormindo muitas vezes na mesma cama. Desfazem de todos os modos possíveis as comunicações que poderiam despertar antigas rixas. Nesses casos, aos olhos dos outros, eles passam a viver felizes para sempre. Comemoram todas as bodas possíveis e, impotentes, ficam esperando a morte os separar, pois enquanto viveram, eles não tiveram fôlego suficiente para isso.
Galeno Alvarenga - Psiquiatra / Neurociência

Nenhum comentário:

Postar um comentário