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FEDERAÇÃO AMAZONENSE DE FUTEBOL AMADOR (FAFA)
Promovendo Cidadania Através do Esporte
Pais com
diferentes intenções procuram escolas de esportes que satisfaçam o gosto de seus
filhos. Alguns estão preocupados apenas em ocupar o tempo livre dos filhos,
enquanto outros querem que estes aprendam um esporte, e alguns até com a
esperança de que se tornem profissionais.
Dentre
todos os esportes, o que certamente possui o maior número de escolas no Brasil é
o futebol, por ser o esporte mais popular do país, e pelo reforço da mídia por
esta preferência.
Existem
diversos projetos espalhados por todo o país, e todos divididos entre três
modalidades do futebol que fazem mais sucesso: futebol de campo, de salão e o de
sete (society).
O
futebol de campo é jogado com onze jogadores em cada equipe, mais os reservas.
Geralmente é praticado em campos de grama com a dimensão variando entre 120 e 90
metros de comprimento e 90 e 75 metros de largura. Só no Brasil, segundo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Joga-se futebol em boa parte do país, nos terrenos baldios, nas quadras da escolinha
suburbana ou no asfalto das cidades. Calcula-se em 30 milhões os brasileiros que
praticam informalmente o esporte. São 580 000 os atletas amadores e
profissionais organizados em 13 000 clubes. No Brasil, a bola é o brinquedo que
todo garoto ganha, antes mesmo de dar os primeiros passos. O maior fabricante de
brinquedos do país produz mais de 1 milhão de bolas não oficiais por ano. Uma
das principais causas do seu crescimento é o contínuo desaparecimento dos campos
de futebol de várzea.
As
questões que se colocam por hora são as seguintes dentro do projeto, na
modalidade de futebol de campo: Qual deve ser o conteúdo ensinado? Qual o papel
do professor? Como fica a formação do cidadão? E do atleta?
Assim, o
objetivo da presente pesquisa foi investigar as possibilidades de ensinar
futebol nas três dimensões dos conteúdos (procedimental, atitudinal e
conceitual) dentro do ambiente do projeto, especificamente na modalidade de
futebol de campo.
Conteúdos
e suas dimensões
Antes de
analisar e discutir as dimensões dos conteúdos, é necessário esclarecer o
conceito de conteúdo. Termo muito utilizado e muitas vezes mal
compreendido.
Conteúdo
é uma seleção de formas ou saberes culturais, conceitos, explicações,
raciocínios, habilidades, linguagens, valores, crenças, sentimentos, atitudes,
interesses e modelos de conduta, cuja assimilação é considerada essencial para
que o aluno se desenvolva e se socialize adequadamente (COLL et al.,
2000).
Entretanto, o termo conteúdo foi e ainda é utilizado para expressar o que se
devem aprender, numa relação quase exclusiva aos conhecimentos das disciplinas
referentes a nomes ou denominações, conceitos e princípios. É comum observar
alunos afirmando que uma disciplina tem "muito conteúdo", se referindo ao
excesso de informações conceituais (DARIDO, 2004).
Frente a
isso, existe atualmente uma tentativa de ampliar o conceito de conteúdo e passar
a usá-lo para tudo quanto se tem que aprender, não apenas as capacidades
cognitivas, mas também as demais capacidades (ZABALA, 1998). Assim é possível
incluir de forma explícita nos programas de ensino o que antes estava no
currículo oculto. Currículo oculto são aquelas aprendizagens que se realizam na
escola, não aparecendo de forma explícita os programas de ensino (DARIDO, 2004).
Nos projetos voltados para o futebol, quando estes possuem um programa de
ensino, estes são voltados exclusivamente, ou quase, para a prática dos
fundamentos técnicos e táticos e do jogo em si.
Os
conteúdos são, então, classificados em três dimensões, segundo Coll et al.
(2000), correspondentes às seguintes questões: "o que se deve saber"? (dimensão
conceitual), "o que se deve saber fazer?" (dimensão procedimental), e "como se
deve ser?" (dimensão atitudinal), com a finalidade de alcançar os objetivos
educacionais.
Durante as aulas, na prática, não há como dividir os conteúdos nas três dimensões, embora possa haver ênfase em uma ou outra. Por exemplo, o professor pede aos alunos que realizem o aquecimento no início de uma aula; enquanto estes executam os movimentos de alongamento e flexibilidade (procedimental), ele apresenta a importância de adquirir o hábito de alongar-se diariamente (atitudinal), sobre o objetivo do aquecimento, quais grupos musculares estão sendo exigidos (conceitual), etc. Assim, as três dimensões estão envolvidas na atividade (DARIDO, 2004).
Para
Darido (2004), é fundamental considerar os procedimentos, fatos, conceitos,
atitudes e valores como conteúdos, todos no mesmo nível de importância, dentro
da perspectiva da Educação e da Educação Física. Segundo a autora, o papel da
Educação Física ultrapassa o ensinar esporte, ginástica, dança jogos, atividades
rítmicas, expressivas e conhecimentos sobre o próprio corpo para todos, em seus
fundamentos e técnicas (dimensão procedimental), e inclui também seus valores
subjacentes: atitudes que os alunos devem ter nas e para as atividades corporais
(dimensão atitudinal) e, finalmente, o direito do aluno saber por que está
realizando este ou aquele movimento, isto é, quais conceitos estão ligados
àqueles procedimentos (dimensão conceitual).
O futebol é o esporte mais explorado pela mídia brasileira, e por isso, o professor de futebol encontra facilmente muitas informações a serem exploradas com seus alunos. Ele pode levar um recorte de jornal à aula, ou aproveitar uma notícia apresentada na televisão.
Aprender
a pensar criticamente remete à necessidade de se atribuir significado à
informação através da análise, da síntese, da extrapolação dos dados obtidos, da
capacidade de desenvolver critérios de avaliação. Enfim, da elaboração de uma
visão globalizada da realidade relacionada à aprendizagem (DARIDO,
2004).
A
dimensão procedimental é tratada em todas as escolas de futebol, já que aprender
a jogar futebol é o principal, e em alguns casos o único, objetivo dos alunos ou
pais. Por ser assim que esta deve estar presente durante quase toda aula. Mas se
as outras dimensões fossem inseridas de maneira dinâmica, a aula não se tornaria
mais rica com vistas à formação do cidadão?
A maior
dificuldade consiste em como transmitir conceitos dentro de uma aula prática e
garantir que estes sejam aprendidos. Este estudo partiu do pressuposto de que os
conceitos devem estar diretamente relacionados com as atividades.
Assim,
acreditamos que a Educação Física, de forma geral, e as escolas de futebol
particularmente e principalmente inseridas em projetos, têm um papel que
ultrapassa o ensinar esporte, e conhecimentos sobre o próprio corpo para todos,
em seus fundamentos e técnicas (dimensão procedimental), e inclui também seus
valores subjacentes: atitudes que os alunos devem ter atividades corporais
(dimensão atitudinal); e, finalmente, o direito do aluno saber por que está
realizando este ou aquele movimento, isto é, quais conceitos estão ligados
àqueles procedimentos (dimensão conceitual) (DARIDO, 2004).
Pedagogia do futebol
Como
ensinar o futebol? Existem diversos livros que sugerem atividades que visam,
principalmente, o ensino através dos fundamentos e, em seguida, o
aperfeiçoamento dessas técnicas através da repetição.
Dentre a
bibliografia pesquisada, a proposta mais interessante, e que se diferencia das
citadas acima, se encontra na obra de João Batista Freire intitulada "Pedagogia
do Futebol", publicada em 1998.
O autor
defende que o futebol brasileiro foi gerado nos centros urbanos, quando havia
espaço para jogar futebol nas cidades. Neste havia espaço livre, para as
crianças brincarem, havia futebol. Porém, com o crescimento das cidades e o
maior número de construções, os espaços diminuíram. Então, quando as pessoas dos
grandes centros reinventaram os espaços para se jogar bola, os projetos e as
escolas de futebol foram criados. E os professores eram os craques do passado.
(FREIRE, 1998).
Conseguir ensinar futebol no Brasil é, para Freire (1998), no mínimo
aproximar-se do nível de competência pedagógica da rua. Tarefa que exige,
segundo o autor, trazer a cultura futebolística brasileira para dentro da
escola. E como a escola não é a rua, é claro que isso só pode ser feito com
diversas adaptações. Para começar, ainda de acordo com o mesmo autor, a
pedagogia da rua é suscetível tanto às coisas boas quanto às coisas ruins; sendo
assim, as coisas ruins não deveriam ser repetidas na escola.
O modo
de trazer essa cultura para o projeto “Caminhando para o Futuro”, na modalidade
de futebol será preservar o espaço lúdico, esse espaço de brincadeira tão
produtivo para a aprendizagem. (FREIRE, 1998: 6).
Praticar
o futebol de maneira lúdica e divertida realmente fará com que os praticantes
gostem e continuem a jogá-lo. Mas será que ensinar a jogar futebol, e fazer as
pessoas gostarem de praticá-lo, é tudo que pode ser feito em um projeto, na
modalidade de futebol?
Apesar
dele não estar inserido no ambiente escolar propriamente dito, ele tem o
compromisso e potencial educacional que devem ser aproveitados.
Em uma
aula de futebol, além de jogar, pode ser aprendido o respeito a colegas e aos
adversários, assim como resolver problemas através do diálogo, e não da
violência como muitas vezes é observado futebol profissional. Desenvolver o
aspecto crítico também é possível, uma vez que se trata de um esporte com regras
e com uma grande variação de atitudes possíveis de serem tomadas por cada um
durante o jogo. As regras podem ser discutidas em grupo e modificadas, assim
como as atitudes podem ser analisadas e debatidas. Com isso e ainda com a
análise de outras questões, como o preconceito (quanto ao nível de habilidade,
raça, sexo, etc.), a convivência em grupo estará sendo aprendida e a
contribuição para o desenvolvimento moral e social será grandiosa para toda a
vida.
Em seu
livro, Freire (1998: 6-11) elege quatro princípios norteadores de sua proposta
de ensino de futebol: ensinar futebol a todos; ensinar futebol bem a todos;
ensinar mais que futebol a todos; e ensinar a gostar de esporte (e atividade
física).
Metodologia
A
pesquisa realizada teve caráter qualitativo, buscando a compreensão particular
dos fenômenos estudados, e não a explicação desses (MARTINS, 2004).
Existem
diferentes formas de pesquisa na abordagem qualitativa, e a escolhida foi à
pesquisa-ação. Esta foi selecionada por envolver a participação do pesquisador
na intervenção, aqui, na figura do professor de futebol que participa planejando
e ministrando aulas, colocando e ouvindo problemas e cooperando com os alunos
para a solução dos mesmos.
As fases
da pesquisa-ação apresentadas por Lewin (1994) foram respeitadas (LEWIN apud
CAMARGO, 2005). O estudo foi iniciado com uma análise sobre qual conteúdo
deveria preencher a aula, e foi decidido que as três dimensões abrangidas pelos
conteúdos (conceitual, atitudinal e procedimental) deveriam estar presentes, e
que a transmissão desses conteúdos deveria acontecer em momentos apropriados das
aulas.
Os
conceitos abrangidos em aula estavam relacionados à Educação Física. Os dois
principais que nortearam o ensino nesta dimensão dos conteúdos foram:
aquecimento, o que é e qual o motivo de se aquecer; fundamentos, o que são e por
que praticá-los. A abordagem aos alunos em relação a esses conceitos foi
realizada tanto no início das aulas quanto durante as explicações das
atividades. Estas abordagens foram breves, não contrapondo as expectativas dos
alunos.
Já a
dimensão dos valores esteve presente em todos os momentos das aulas. A cada
atitude, movimento ou expressão ela se mostra de maneira muito sutil. O respeito
ao próximo e ao grupo, e jogar dentro de princípios éticos, o "jogar limpo",
foram transmitidos, a princípio, no início das aulas e nas explicações das
atividades. Mas, o decorrer das aulas mostrou que eles também devem ser
enfatizados em momentos oportunos das aulas. Quando alguma situação ocorria,
como uma falta desleal, o jogo era brevemente paralisado para que comentários
fossem realizados, tanto do pesquisador quanto dos envolvidos (além dos que
quisessem comentar), e a partir deles fazer com que os alunos refletissem o
ocorrido. Situações positivas foram elogiadas, como, por exemplo, uma criança
assumir que fez uma falta que ninguém viu.
Terminada a fase de análise, que determinou os conteúdos que preencheram as aulas e a maneira que estes seriam transmitidos, os sujeitos da pesquisa foram selecionados. Participaram da pesquisa, inteiramente, quinze crianças, do sexo masculino, com idades entre dez e dezesseis anos. Todas faziam parte de uma mesma turma do projeto, na modalidade de futebol de campo, e a maioria se conhecia desde o início do ano de 2006. O número de alunos durante as aulas variava entre dezoito e vinte e cinco, o que era considerado ideal pelo projeto. O motivo pelo qual vinte dentre os vinte e cinco participaram de maneira completa da pesquisa, e não toda a turma, foi a disponibilidade de cada um chegar no horário combinado para as entrevistas, pois alguns moravam em sítios e outra comunidade pertencente ao município. Apesar deste fato, todos os alunos foram tratados igualmente durante as aulas.
A
primeira entrevista contou com vinte participantes, e foi realizada de maneira
coletiva, ou seja, todos ao mesmo tempo e no mesmo lugar, ouvindo todas as
respostas, porém cada um deveria ter a sua própria. Quando o motivo da resposta
era questionado, apenas quem se sentiu à vontade respondeu. As perguntas foram
realizadas do modo mais natural possível, pedindo para que os alunos pensassem
na resposta, e em seguida era realizada a gravação.
As
seguintes questões foram realizadas:
-
Para que aquecer e antes do treino? E alongar após.
-
Pensem nos treinos de passe que vocês fazem, nos treinos de fundamentos. Vocês acham que depois de terem treinado bastante vocês estão jogando melhor?
-
Está tendo jogo durante o treino, um de vocês leva a bola com a mão e marca o gol, e ninguém vê. Você fala que foi falta ou deixa passar?
-
Vocês estão jogando em um campeonato, um do outro time irá marcar um gol e o único jeito de impedir é fazendo uma falta (empurrando, metendo o pé). O que vocês fazem: deixam marcar o gol ou fazem a falta?
-
Vocês preferem jogar de reservas em um time que vai ser campeão ou serem titulares em uma que só vai participar?
-
Quando alguém está falando durante o treino (o professor explicando alguma coisa ou um aluno tirando dúvidas) e vocês têm alguma dúvida, o que vocês fazem? (se eles ficassem confusos seria exemplificado: começam a falar porque vocês estão com pressa ou esperam a pessoa terminar para começar).
As
situações quatro e cinco foram retiradas da pesquisa de Ferraz (1997). A
entrevista foi gravada em fita k-7. Após a entrevista, as respostas foram
analisadas a fim de planejar a intervenção.
Primeiramente foi realizado um plano geral das aulas que seriam ministradas
durante os três meses. Foi escolhido abordar o conceito do aquecimento antes dos
fundamentos, tendo em vista que o aquecimento é básico e deve estar presente no
início das aulas e também o alongamento após o final do treino. Todas as aulas
foram planejadas para que houvesse uma primeira atividade, a qual serviria como
aquecimento e fosse relacionada ao futebol e ao caráter lúdico. A atividade
seguinte seria relacionada ao jogo propriamente dito, com pequenas modificações
priorizando os temas das aulas (principalmente a dimensão atitudinal) e sempre
no final o alongamento era lembrado e realizado.
Um
diário de campo foi utilizado, onde as principais informações foram anotadas.
Apenas os acontecimentos considerados relevantes dentro dos temas abrangidos
pela pesquisa foram colocados na descrição das aulas, a qual era feita após o
término da aula.
Após os
três meses de intervenção, uma segunda entrevista foi realizada, da mesma
maneira e com as mesmas perguntas. O objetivo desta foi comparar com a primeira,
com o fim de analisar se a intervenção surtiu algum efeito nas dimensões
conceitual e atitudinal. Todos os alunos participantes da primeira entrevista
estiveram presentes. Após a intervenção realizada com os alunos, os mesmos foram
observados até o final do ano de 2007.
Resultados e discussão
Para a
análise e discussão dos resultados, foram obtidas algumas categorias de análise,
tal como preconiza a pesquisa qualitativa. As categorias elencadas refletem as
possibilidades e dificuldades encontradas durante o decorrer do
programa:
Rodas de
conversas no início e final das aulas
As rodas
de conversas, propostas por Freire (1998: 12), se mostraram importantes para o
entendimento geral das aulas. Com elas foi possível explicar claramente os
objetivos e atividades das aulas.
O
princípio básico de se sentar em círculo é colocar todos em posições
equivalentes. Todos com o mesmo direito de falar (se expressar) e o dever de
respeitar o direito do próximo. Este posicionamento é bom para exemplificar
relações em sociedade, mostrando a importância de se exigirem direitos e cumprir
deveres, respeitando o próximo e o grupo em que está inserido. Conteúdos
integrantes da dimensão atitudinal (DARIDO, 2004).
A
dimensão conceitual que, segundo Coll (2000), corresponde ao "o que se deve
saber", é a menos presente nas aulas de Educação Física e Esportes. E o momento
inicial da aula, com todos em círculo e sentados, foi a melhor possibilidade
encontrada neste estudo para a inserção desta dimensão como currículo manifesto.
Isto porque a dinâmica da aula não é atrapalhada, não tornando necessária à
paralisação desta para ensinar um conceito; e também porque foi observado ser
mais fácil controlar e obter a atenção dos alunos antes da atividade física ser
iniciada do que durante uma atividade ou no intervalo entre duas. Quanto ao
final da aula, propõe-se a existência de uma roda de conversas, assim como é
sugerido por Freire (1998: 12). Após a volta à calma é possível obter a atenção
dos alunos e reforçar tudo o que foi ensinado na aula. Infelizmente, foram
encontradas dificuldades para realização dessas rodas devido à tradição das
aulas realizadas anteriormente no projeto.
Durante
a intervenção as rodas de conversas foram colocadas aos poucos. A ansiedade dos
alunos nas primeiras aulas foi motivo para que elas fossem rapidamente
iniciadas, com conversas sendo realizadas com todos em pé e dispostos à frente
do professor. O próximo passo foi colocar todos sentados, encostados em um
alambrado em frente ao professor. Na décima aula a disposição em círculo foi
utilizada, e trouxe resultados positivos. Em todos os casos houve discussão
sobre os assuntos abordados, sejam de ordem procedimental, atitudinal ou
conceitual, porém, em círculo, um número maior de alunos participou da
discussão.
Propõe-se, então, o início da aula com uma roda de conversas, na qual conceitos,
valores e os procedimentos são discutidos. Em seguida, as atividades práticas
são desenvolvidas, tendo como início o aquecimento e, ao final de todas, à volta
à calma. Finalizando, uma outra roda é realizada, na qual os ensinamentos da
aula são reforçados e discutidos pelo grupo, podendo acontecer uma avaliação
sobre a aula.
Aproveitar
situações concretas do jogo para discutir valores
Durante
o decorrer de uma aula existe uma infinidade de situações possíveis, que
envolvam valores, algumas podem ser positivas e outras nem tanto. Estas
situações ocorrem, sobretudo, em atividades em grupo.
Em casos
em que o aluno apresente uma boa atitude, como sinalizar uma falta que cometeu
mesmo o adversário não a reclamando, elogiá-lo é um bom procedimento pedagógico.
Porém, faz-se necessário a criança entender por que a ação foi correta,
mostrando como seria a mesma atitude fora do ambiente escolar, e não apenas
fazê-la repetir o gesto para agradar o professor ou outro adulto. Trata-se da
codificação das regras (PIAGET apud FERRAZ, 1997).
Algumas
más ações foram verificadas durante a pesquisa, e consideradas concretas a ponto
de haver discussão de valores: fazer falta desleal (acertando por trás, sem
possibilidade de defesa) durante o jogo ou atividade. Discussões sobre lances
com ofensas entre companheiros; chutar a bola em direção onde há alunos
distraídos durante intervalos entre atividades, podendo acertar e machucar
alguém; brincadeiras com contato físico agressivo, como dar um "carrinho" em um
colega em intervalos das aulas.
A melhor
postura encontrada por mim frente a essas ações desrespeitosas, foi questionar
os alunos sobre a atitude realizada, se era correta ou incorreta, ao invés de
fazer um discurso e concluir com a própria opinião. Todos eram reunidos em grupo
e questionados quanto à própria opinião sobre o que ocorreu, sendo a discussão
entre os alunos estimulada, mantendo a participação ativa dos alunos.
Quanto
ao momento mais apropriado para a intervenção, seja para elogiar ou questionar,
foi constatado que este deve ser determinado pelo professor, por meio da análise
da gravidade da situação. Se for uma situação de simples resolução, pode ser
resolvida sem a paralisação da aula e, se necessário, relembrada posteriormente
no período entre atividades ou na roda final de conversas. Para um elogio é
possível paralisar a aula, porém é bom que ele seja refeito posteriormente. Já
no caso de ações mais graves, a interrupção da aula se mostrou fundamental para
a resolução do problema, não deixando este se desenvolver e acarretar em
situações piores, como uma briga. Durante a pesquisa houve um problema entre
dois alunos, que se agrediram verbalmente, e no decorrer da própria atividade
este parecia ter se resolvido. No intervalo após a atividade foi comentado o
acorrido, as agressões voltaram, fazendo com que quisessem parar de treinar,
sair da quadra e chorar.
Para se
evitar uma longa conversa, se a atividade fosse interrompida e o problema
exposto para todos, o problema seria resolvido anteriormente.
Outras
duas que faltaram com o respeito com o professor foram afastadas da equipe e dos
treinos pelo professor.
O que
determina quais situações e como utilizá-las para discussão de valores são a
percepção e análise do professor, que apenas pode ser melhorada com o aumento da
experiência docente, e um embasamento teórico consistente.
Procedimentos que valorizam a participação ativa na resolução de
conflitos e as dimensões dos conteúdos
A
participação ativa dos alunos foi uma possibilidade encontrada muito
interessante. Principalmente quando os alunos se interessavam pelas atividades
(procedimentos) e contribuíam com opiniões.
Durante
a pesquisa alguns procedimentos agradaram os alunos, além de proporcionarem a
possibilidade de resolução de problemas, tanto em grupo quanto individualmente.
Problemas de ordem procedimental, como organizar uma equipe modificando a
estratégia frente a um jogo adaptado; ou de ordem atitudinal, elegendo mudanças
de regras e respeitando a decisão da maioria.
Uma das
atividades consistia em tirar a bola de um companheiro de dentro de um espaço
limitado e, simultaneamente, proteger a própria bola. É um jogo em que todos
participam, porém cada um toma as próprias decisões. O problema a ser resolvido
é como conduzir a bola sem que a tirem de sua posse, tentando tirar as bolas dos
colegas. Nesta atividade, a dimensão procedimental está muito presente, pois une
duas tarefas que se encontram separadas durante o jogo.
A
dimensão procedimental foi vivenciada por meio da construção coletiva de
estratégias, mobilizando assim a dimensão atitudinal, em duas atividades que
foram realizadas em grupo. Em uma delas, as equipes não podiam conduzir ou
passar a bola no sentido do gol defendido, demandando uma movimentação maior do
conjunto e mudanças quanto ao posicionamento e jogadas ofensivas. Na outra, um
conjunto de seis mini gols, sendo os dois originais e mais quatro colocados
lateralmente, dois em cada meio campo. Além de poderem fazer gols no gol do
adversário, poderiam fazer gols nos outros gols da lateral. Tanto a estratégia
defensiva quanto à ofensiva tiveram que ser modificadas, tornando necessária a
organização dos alunos em grupo. Neste ponto está presente a dimensão dos
valores, pois eles devem saber como agir em grupo, trabalhando a favor dos
companheiros e respeitando as decisões do grupo.
Em
outras duas atividades propostas, a dimensão atitudinal esteve ainda mais
presente. Propor para os alunos mudarem as regras oficiais do jogo foi muito bem
aceito. Foi pedido para os alunos pensarem sobre e levarem as mudanças na aula
seguinte. Quatro deles chegaram a escrever as sugestões em um papel. Foram nove
o total de sugestões colocadas em votação, das quais quatro foram aprovadas.
Neste processo, a importância da votação e da democracia foram ressaltados,
atendendo à dimensão atitudinal.
Os
valores foram atendidos no respeito ao ouvir as sugestões, no votar, e no
aceitar e respeitar a decisão do grupo, e continuaram presentes no cumprimento
das regras modificadas durante o jogo. Nas aulas seguintes houve o pedido
espontâneo dos alunos para que as modificações deles continuassem; fatos que
concordam com o nível de consciência de regra proposto por Piaget para a idade,
o de obrigatoriedade devido ao consentimento mútuo, que foi confirmado pelo
estudo de Ferraz (1997).
Na outra
atividade a proposta era simples, entretanto mostrou-se muito eficiente. O jogo
não teria a presença de um árbitro, cabendo aos próprios jogadores resolverem os
conflitos e aplicarem as regras. Os valores de honestidade, justiça e respeito
ao próximo e ao grupo estão profundamente relacionados à atividade. É necessária
a atenção total do professor para que, inicialmente, os alunos a levem a sério
e, conforme se habituam a ela, eles mesmos se cobram quanto ao cumprimento das
regras.
Os
procedimentos aqui sugeridos não relevam apenas uma ou outra dimensão dos
conteúdos, e sim as três, priorizando uma, mas juntamente com a presença das
outras duas conforme necessidade apontada por Zabala (1998). Eles também
valorizam a participação ativa dos alunos, resolvendo conflitos nas três
dimensões.
Várias
atividades, como as mostradas na categoria anterior, possuem, não só o "saber
fazer", mas também o "o que saber" e o "como se deve ser". Porém, se o professor
não deixar claro estas duas últimas propriedades das atividades, elas não serão
notadas pelos alunos. Eles apenas realizarão os procedimentos, o que é a
primeira expectativa deles.
É
função, então, do professor, explicitar as outras dimensões das tarefas além do
simplesmente "fazer", e mostrar a importância delas aos alunos.
Obstáculos que dificultam a implementação do programa:
expectativa dos alunos, atividades tradicionais e falta de
experiência
O que os
alunos mais esperam e querem em uma aula de futebol é jogar futebol. É óbvio
falar isso, principalmente partindo do princípio de que quando uma criança pede
aos pais para entrar em um projeto social ou em uma escola de futebol, ela quer
jogar futebol. Mesmo tendo o sonho de ser atleta profissional, ela pensa em
alcançá-lo apenas e simplesmente jogando futebol. Melhorar o repertório e
habilidades motoras gerais, aprender conceitos importantes ou aprender como se
comportar perante diferentes situações não interessam, inicialmente, à criança.
Elas só querem jogar futebol.
Para
comprovar tal fato é só estar presente em qualquer projeto na modalidade de
futebol, onde as mesmas perguntas de crianças, e até adolescentes, sempre se
repetem: "professor, vai ter joguinho hoje?; é só jogo hoje né?; aula passada já
teve treino, hoje vamos só jogar?".
O jogar
futebol é fundamental para a aprendizagem da criança, porém, outras atividades
relacionadas ao jogar são fundamentais para o desenvolvimento global
dela.
O
professor deve saber convencer os alunos da importância das outras atividades,
sem frustrá-los quanto à expectativa. Neste momento é necessário o que
popularmente é chamado de "jogo de cintura". Uma solução encontrada para a
pesquisa foi à presença do jogo de futebol em todas as aulas, assim como era
costume na escola.
O
projeto onde a pesquisa foi realizada possuía algumas atividades e costumes, dos
quais as crianças gostavam muito e reclamaram a falta durante a implementação do
estudo.
Em
algumas aulas o professor, do projeto, dava apenas "joguinho" para todas as
turmas. O problema era: alguns alunos participantes da pesquisa assistiam às
outras turmas e utilizavam isto como argumento para cobrar o jogo também em sua
aula. Nestes casos era necessário, enquanto professor, tomar alguns cuidados
para não contrariar totalmente a expectativa dos alunos correndo o risco de
deixá-los desgostosos. Assim como foi verificado na pesquisa de Souza Júnior
(2003), na qual o autor propõe a busca, pelo professor, de um equilíbrio entre a
aula desejada pelos alunos e a aula planejada. O que evitaria mudanças radicais
e reações indesejadas por parte dos alunos. Então, em algumas aulas foi
necessário apenas ter como atividade o jogo de futebol, este com regras
diferentes das tradicionais propostas pelos alunos ou sem árbitro, com as regras
sendo cobradas pelos próprios alunos.
Outro
costume adorado pelas crianças era a cobrança de tiros ao gol ao final das
aulas. Procurei manter os chutes em várias aulas, porém, em algumas, fiz
adaptações para inserir a cooperação além da competição nesta atividade. Um
exemplo foi à competição entre chutadores e goleiros, onde cada grupo torcia por
seus companheiros, e eram incentivados a conversarem no sentido de
aconselharem-se. Estas adaptações foram lembradas pelos alunos em todas as
aulas. A presença ou a expectativa de que houvesse disputas de chutes ao gol nos
finais das aulas dificultava a realização de rodas de conversas neste período.
Apesar da experiência do primeiro ano como professor e ao mesmo tempo
pesquisador e outros dois anteriormente como voluntário, na mesma instituição em
que foi realizada a pesquisa, onde os valores eram e continuam sendo tratados
com muita atenção, trabalhar um programa diferenciado implicou em algumas
dificuldades.
O
primeiro problema era em que momento tratar, de forma manifesta e não oculta,
como era muito bem feito pelo projeto, de conceitos e valores com os
alunos.
Um outro
consistiu em como abordar os alunos com esta proposta diferente do que eles
estavam acostumados. Todos da turma, mesmo aqueles que não participaram das
entrevistas, sabiam que se tratava de uma pesquisa, contudo a dificuldade estava
em fazê-los se interessar pelos novos assuntos, ou pelo menos não se
desmotivarem tendo em vista que a cultura das aulas do projeto era outra, e a
transformação desta provavelmente exigiriam um tempo maior para uma transição
menos traumática.
Considerações finais
A
presente pesquisa investigou as possibilidades e dificuldades do ensino de
esportes nas três dimensões dos conteúdos, dentro do ambiente de um projeto
social de esportes, especificamente na modalidade de futebol de
campo.
Para
isso foi utilizada a metodologia do tipo pesquisa-ação, respeitando todas as
suas fases. Foram analisados quais conteúdos, dentro das três dimensões, devem
preencher as aulas; em seguida foi realizada uma coleta de dados por meio de uma
entrevista com os alunos; a intervenção foi planejada de um modo geral para um
período de três meses; as aulas foram executadas, havendo um novo planejamento
antes de cada aula; e uma nova entrevista foi realizada para auxiliar na
avaliação.
Os
alunos que participaram da pesquisa continuaram a serem observados durante um
ano e sete meses para que pudéssemos avaliar também a participação de todos com
relação ao restante do grupo nas participações em competições
regionais.
Os
resultados foram divididos em categorias, e classificados em possibilidades e
dificuldades. Os principais resultados encontrados foram os
seguintes:
-
As rodas de conversas se mostraram importantes para o entendimento geral das aulas. Elas facilitaram a explicação dos objetivos e atividades da aula, bem como a inclusão de conteúdos das dimensões atitudinal e conceitual. A explicação do por que realizar determinado exercício, a discussão sobre conseguir a vitória através de meios corretos ou "trapaceando" (discussão da moral e ética) e a explicação de uma atividade a ser desenvolvida, são exemplos de temas abordados com sucesso durante as conversas realizadas nos inícios das aulas.
-
Durante as aulas, muitas situações podem ser aproveitadas para discussões, tanto como maus ou bons exemplos. As boas atitudes devem ser estimuladas sempre e, se possível, reforçadas em momentos de conversas. O elogio levou à novas atitudes corretas não só do aluno elogiado, mas também de outros.
-
Quanto às atitudes incorretas, foi observado que a intervenção do professor deve ser maior quanto mais grave for a atitude. A avaliação sobre a gravidade dos acontecimentos e atitudes, e sobre qual momento e como deve ser a intervenção, cabe ao professor. Esta pode ser melhorada através da experiência docente, e também deve possuir um embasamento teórico consistente.
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Algumas atividades, além de agradarem aos alunos, os proporcionaram a possibilidade de resolução de problemas, tanto individuais quanto coletivos, nas três dimensões dos conteúdos. Os problemas procedimentais consistiram em: como organizar a equipe frente a um jogo adaptado, modificando as estratégias de defesa e ataque, e a movimentação dos jogadores em quadra (coletivo); e em realizar simultaneamente duas tarefas que se encontram separadas no jogo. Os principais problemas atitudinais foram o respeito ao próximo e ao grupo, e jogar dentro dos princípios da moral e ética. Para isso, os alunos enfrentaram situações como discutir e propor modificações nas regras, votar e validar essas modificações, e resolver conflitos e aplicar as regras do jogo (modificadas ou não) com a ausência do árbitro.
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Umas das maiores dificuldades desta pesquisa e, talvez, a da maioria dos professores de Educação Física, seja na escola ou em projetos sociais, é a expectativa dos alunos quanto à prática esportiva, neste caso, a do futebol. É preciso ter argumentos para discutir com os alunos sobre a importância das outras atividades, sem frustrá-los quanto à expectativa. É preciso também ter sensibilidade no sentido de encontrar as oportunidades adequadas para inserir diferentes conteúdos nas aulas, tornando esta transição da aula efetivamente procedimental para uma aula que abarque as outras dimensões dos conteúdos o menos traumática possível. Para isso utilizamos atividades relacionadas a outras modalidades como o vôlei, o basquete, o handebol e o futsal.
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Outra dificuldade encontrada por nós, foi o horário, pois no Estado de São Paulo e no município de Populina, as aulas são em período integral, sobrando pouco tempo para desenvolver o trabalho com os alunos do projeto.
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Descobrimos que os nossos alunos melhoraram de forma extraordinária nos aspectos físico e técnico, contribuindo dessa forma para uma participação mais ativa do restante do grupo, participando e conseguindo resultados expressivos ao longo desses dois anos de experiência. Como resultado foram conseguidas conquistas de forma invicta fazendo o artilheiro e o goleiro menos vazado de várias competições, finais disputadas apenas com alunos do projeto contra equipes montadas com vários alunos de diversos projetos regionais, mesmo assim, conseguindo fazer o artilheiro na categoria entre dez e doze anos.
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Melhoria de forma significante nos alunos entre quinze e dezesseis anos, que no começo do trabalho eram desacreditados por todos componetes da pesquisa e torcedores locais e de outros municípios.
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Pouquíssimos alunos se tornarão atletas profissionais, porém todos deverão ter compromisso com o exercício crítico da cidadania. Razão para insistência por demandas novas na prática pedagógica. A mudança em relação ao comportamento dentro do projeto e no contexto social foi muito significante, mesmo sabendo que pouquíssimos se tornarão atletas profissionais.
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